sexta-feira, 15 de abril de 2011

Aula 5 - A Construção Social da Criança Indígena

Educação Infantil Escolar Indígena

A proposta no presente texto é trazer um campo de elementos que contextualizem e oportunizem a reflexão acerca de aspectos diversos da interculturalidade própria aos povos indígenas na construção social da criança indígena. Do mesmo modo, situar os desafios da realidade com a qual estamos lidando quando nos referimos às crianças brasileiras.

A implementação das políticas de educação escolar indígena no país tem como objetivo assegurar a oferta de uma educação de qualidade aos povos indígenas, caracterizada por ser comunitária, específica, diferenciada, intercultural e multilíngüe. Nesse sentido, propiciar, igualmente, aos povos indígenas acesso aos conhecimentos universais, sem descuidar da valorização de suas línguas maternas e saberes tradicionais, contribuindo para a reafirmação de suas identidades e sentimentos de pertencimento étnico.

Entretanto, considera-se fundamental o avanço nas reflexões sobre a educação infantil indígena no contexto das políticas públicas da educação infantil para tornar possível o tratamento sistêmico da Educação Escolar Indígena da Educação Infantil à Educação Superior.

Nesse sentido, conforme Dalmolin (2002), em uma perspectiva multicultural em educação, cabe trazer as palavras de Bartolomeu Meliá sobre “uma alteridade moderna”:

Considero mais importante, quando se trata de ver qual é a ação pedagógica para a alteridade, tomar consciência de que essa alteridade é concebida de modo muito diferente nas chamadas sociedades modernas ocidentais e nas sociedades indígenas. A alteridade é sempre, afinal, uma filosofia de vida, e não pode ser tratada à margem do que chamamos a construção da pessoa[...] A ação pedagógica para a alteridade não é uma descoberta feita pela sociedade ocidental e nacional para oferecer aos povos indígenas, muito pelo contrário: é o que os povos indígenas podem ainda oferecer à sociedade nacional. Assim, não há problema de educação indígena, há sim uma solução indígena ao problema da educação.

No Brasil existem 23.141.413 crianças até os seis anos de idade (IBGE, Censo 2000). País marcado por desigualdades sociais, com significativas diferenças entre as regiões, oriundas de importantes heranças sociais como a escravidão e a colonização.

Cerca de 46% da população é composta por afrodescendentes , sendo o país com a segunda maior população negra do mundo. Fica evidente a distribuição desigual das riquezas de acordo com a raça quando se considera que dos 22 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza, 70% são negros (IPEA apud Diálogos, 2004). Desses milhões de brasileiros que sobrevivem em situação de pobreza, com menos oportunidades e iniqüidade em relação à efetiva proteção e promoção de seus direitos humanos, a parcela mais vulnerável é composta por crianças. Em relação à mortalidade infantil, segundo a raça/cor da mãe (2000), a taxa média nacional é de 30,1, mas sobe para 38,0 se a mãe for negra e a 94,0 se é de origem indígena. Para as mães brancas a taxa é de 22,9 (UNICEF, 2005a).

Há também diferenças marcantes entre os estados brasileiros no que se refere às condições de saúde e educação das crianças pequenas. Essas diferenças, mais do que desigualdades configuram um quadro de iniqüidade entre estados e regiões.

Os estados pertencentes à região Nordeste são os mais vulneráveis em relação à taxa de mortalidade infantil. A taxa dessa região equivale a mais que o dobro das verificadas nas outras. Porém, alguns estados apresentaram queda expressiva na taxa de mortalidade infantil, como Alagoas, que teve sua taxa de 68,2 (por mil crianças nascidas vivas) reduzida para 29,1. Outro estado que apresentou queda na taxa de mortalidade infantil é o Ceará: de 25,2, no ano de 2002, para 22,1, em 2003.

Apesar da queda de 32,6% em 10 anos (1994 a 2004), a taxa de mortalidade infantil brasileira continua alta - a terceira mais alta na América do Sul, segundo levantamento feito pelo UNICEF em 2005, atrás apenas da Bolívia e Guiana.

As crianças pertencentes às minorias étnicas, em especial de áreas indígenas e remanescentes de quilombos , devido a fatores históricos, à discriminação racial, ao isolamento de suas comunidades ou às especificidades culturais, têm mais dificuldade de acesso às políticas públicas para a infância.

A desnutrição infantil na população indígena, de acordo com a Fundação Nacional da Saúde – Funasa, foi reduzida de 15% para 12%, mas ainda é o dobro da média nacional. Algumas medidas adotadas para combatê-la são a distribuição de megadoses de Vitamina A para crianças menores de 5 anos, filtros de barro e hipoclorito de sódio a 2,5% (para ampliar o acesso à água potável), além de capacitar as famílias a usá-los. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), o Ministério da Saúde, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e o UNICEF trabalham em conjunto nessas ações.

Em 1999, a Funasa começou a estruturar o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, integrado ao Sistema Único de Saúde (SUS). Para que o atendimento seja contínuo, além dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis), o subsistema conta com agentes indígenas de saúde, indicados pela própria comunidade.

Alguns dados do Censo/2005 revelam a necessidade de atenção à importantes questões no âmbito educacional, como: aumento constante e expressivo no número de matrículas na educação infantil, superior ao crescimento geral da média nos demais níveis de ensino; aumento no número de matrículas de crianças pequenas nas escolas indígenas nos últimos anos; a cada ano e cada vez mais cedo as crianças indígenas estão enfrentando a experiência do ensino formal nas escolas indígenas; inexistência de indicadores de avaliação; reduzidas pesquisas qualitativas que possam contextualizar os dados quantitativos.

Da mesma forma, as Diretrizes Curriculares e Referenciais Nacionais para a educação escolar indígena revelam a ausência de referências à educação infantil indígena na sua regulamentação, não havendo parâmetros para uma oferta pedagógica desse nível de ensino, nem mesmo como componente curricular dos processos de formação de professores indígenas.

Aí reside o grande desafio da transposição do discurso para o âmbito das ações e a complexidade do que seja implantar uma escola que se proponha a ser intercultural. Segundo Dalmolin (2002), só a idéia de escola enquanto tal, na sua estrutura e organização, curricular e pedagógica, já constitui uma construção da cultura ocidental dominante.

Além disso, outra importante questão que se coloca, quando se discute uma educação com base no diálogo intercultural, não é apenas “a troca de diferentes saberes, mas também a relação entre diferentes culturas”, ou seja, entre universos de sentidos diferentes. “...considerando a singularidade de cada povo e a ignorância, por parte da sociedade nacional destas singularidades, como estabelecer... [nas instituições educativas], algo que não seja puramente imposição, absorção por meio da “canibalização cultural”?...(Dalmolin, 2002) .

Nesse contexto, considerando, por um lado, demandas e necessidades e, por outro, o fato de que, no entendimento de vários povos indígenas, o modelo ocidental dominante de escola e de educação infantil não se coaduna com suas culturas, práticas sociais e projetos societários, o MEC entende como imprescíndível assumir o desafio de fortalecer a pauta do debate polêmico da educação infantil na educação escolar indígena e construir um panorama inicial da primeira infância indígena brasileira, a partir de ampla avaliação diagnóstica e interlocução com os povos indígenas.

Na compreensão dos movimentos sociais indígenas, em consonância à implementação das políticas públicas para a educação escolar indígena por este Ministério, alguns avanços na legislação indigenista são decisivos nas discussões sobre a educação infantil escolar indígena, conforme pode-se verificar:

 Convenção nº 169 da OIT sobre povos indígenas e tribais, Art. 7º, a qual adota conceitos básicos pelos quais se norteia a interpretação das suas disposições, que são a consulta e a participação dos povos interessados e o direito desses povos de decidir sobre suas próprias prioridades de desenvolvimento e sobre tudo o mais que afete suas vidas, crenças, instituições, valores espirituais e a própria terra que ocupam ou utilizam.

 Resolução nº 3 do CNE, de 10 de novembro de 1999, que determina em seu Art. 13 A Educação infantil será ofertada quando houver demanda da comunidade indígena interessada.

Desse modo, mobilizar a discussão sobre qual educação infantil escolar as comunidades indígenas desejam, aquelas que realmente a desejam e o respeito ao modo próprio de educação infantil desses povos; compreendendo que discutir educação infantil indígena é romper com modelos e construir novas possibilidades, já que, para ser escola indígena, esta deverá respeitar a decisão de cada povo, bem como contemplar a ação pedagógica da comunidade na qual ela está inserida.

O entendimento da Diretoria de Educação para a Diversidade – DEDI/Secad/MEC, por intermédio de sua Coordenação de Educação Escolar Indígena – CGEEI/Secad é, da mais absoluta pertinência e necessidade o aprofundamento dessas reflexões, tomando por referência a singular precisão das considerações de Dalmolin :

... o reconhecimento oficial das escolas indígenas, pressupõe mais que negociação com os setores oficiais, implica desde o confronto com posturas anti-indigenistas até o enquadramento aos delineamentos político-ideológicos que norteiam as políticas públicas governamentais... [...] esta tendência se reflete no entendimento de escola no qual... são mantidas suas significações universalistas. Ou seja, a escola para ser entendida como tal, no âmbito oficial, deve apresentar uma estrutura que obedeça à sistemática historicamente construída pela sociedade ocidental: professores e alunos, referencial, diretrizes ou parâmetros curriculares, enfim, saberes delimitados, “ciências” como objeto, funcionamento “ordenado”, sistematizado, compartimentalizado com “grades”, medição, graduações, evoluções. A exigência destes parâmetros ou equivalentes põe o projeto educativo sob o esquema do pensamento dominante.

Desse modo, apesar da legislação vigente, breve análise do cenário nacional atual demonstra uma educação infantil indígena que tem surgido e se ampliado pelo Brasil afora como alternativa para situações de vulnerabilidade social (insegurança alimentar, problemas ambientais, desemprego, violência), especialmente junto a povos em situação urbana em que suas condições sócioambientais e territoriais foram comprometidas.

Nessa mesma direção, verifica-se a “naturalização” da oferta deste nível de ensino em todo o país, ignorando a especificidade das culturas indígenas e, muitas vezes, como alternativa empregatícia. Sua ampliação ocorre não só por demandas espontâneas, como definido em normatização pertinente, mas também induzida por agentes públicos (notadamente o municipal) por meio da criação de creches e unidades de educação infantil em terras indígenas, com sua implantação ocorrendo num contexto considerado de “conquista de direitos”. Ainda, sua regulamentação, tanto em termos legais quanto normativos, vem se realizando tendo como modelo o ensino fundamental não indígena, do qual exporta-se, sem maiores reflexões, suas premissas para esse novo nível de ensino e público atendido.

Apesar de recente, algumas iniciativas têm fortalecido a reflexão na temática das Políticas de Educação Infantil e Educação Escolar Indígena, apontando ser a educação infantil nas escolas indígenas um debate polêmico.

Quando discute-se educação infantil e povos indígenas, as questões ganham outros pontos de partida, outros referenciais e se revestem de outras complexidades. Entre elas, o desconhecimento do que seja a infância indígena, pois há um enorme vazio nessa área de pesquisa de modo a conhecer as realidades, as concepções e o tratamento indígena à infância, de acordo com cada cultura. A consideração dos processos próprios de aprendizagem (artigo 210 da Constituição Federal) ainda é matéria de reduzidas pesquisas que ofereçam subsídios para as práticas pedagógicas desenvolvidas nas escolas indígenas.

Destaca-se a necessidade de se discutir a oferta dessa fase do ensino em acordo com os princípios da educação escolar intercultural e a importância de se discutir a questão polêmica do dever do Estado e dos direitos coletivos dos povos indígenas. Na compreensão da Coordenação de Educação escolar Indígena – CGEEI/Secad, o dever do Estado não se dá isolado do contraponto da relação com os povos indígenas. Esta relação vem se transformando ao longo do tempo na direção de reconhecer, afirmar e proteger a diversidade cultural indígena e garantir o protagonismo dos povos indígenas na definição de seus interesses e prioridades de desenvolvimento, como afirma a Convenção 169/OIT. Desse modo, o dever do Estado deve ser exercido no diálogo com os direitos coletivos indígenas. O dever do Estado não é soberano nem se sobrepõe aos direitos étnicos.

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